Nenaza

Nenaza (1994) é uma artista drag e DJ que se movimenta entre Vigo, Porto e Madrid. É neste território triangular que emerge o universo onírico e fantástico das fadas, que se constitui como alicerce conceptual de toda uma prática artística orientada para as questões de género, desde logo, o género feminino. Mas esse universo fantástico, exteriorização e exacerbação de um certo modo de ser feminino que habita, de formas diversas, todos os sujeitos, não deixa de ser contaminado por cenários mais sombrios, indelevelmente marcados pela violência e pela imagética punk.  Na Maia, Nenaza realiza um workshop de criação de personagens drag, centrado nas questões do movimento e nos códigos gestuais dessas personagens. Também se apresenta na vertente DJ, com a promessa de ritmos vibrantes – do reggaeton ao funk, da eletrónica ao techno, passando pelo hyperpop e pelo ball – capazes de transportar os corpos para mundos imaginários.

Texto de Carla Santos Carvalho

Susana Chiocca e Pedro André

De improviso, em vésperas do 25 de abril de 2022, a artista multidisciplinar Susana Chiocca (n. 1974) desafiou o músico Pedro André (n. 1983) para uma performance que deveria ocorrer no dia seguinte, no âmbito do evento “Sopa de Pedra”, organizado pelo Café Candelabro. E assim se fez. Sinónimo das coisas que estão vivas, as sonoridades analógicas criadas pelo artista sonoro e visual Pedro André, na circunstância assentes na improvisação, convergiram com a leitura performática de textos escritos por mulheres, realizada por Chiocca. Essa foi a base conceptual para Ensaio aberto, o projeto musical-performativo que agora se apresenta no auditório do Fórum: a música produzida por André desenvolve-se em processos simultâneos de harmonia e dissonância com os textos mais ou menos poético-literários, mais ou menos políticos, mais ou menos provocatórios, selecionados por Chiocca para este momento performático, de autoras como Djiaimilia Pereira de Almeida, Olga Novo ou Cláudia R. Sampaio. Sem ensaios, sem rede. Simplesmente fazendo acontecer. Esta prática próxima da spoken word não é alheia ao modus faciendi de Chiocca, artista e performer que se vem afirmando nas últimas duas décadas. Desde logo, com o projeto incontornável Bitcho, essa “figura ambígua, meio ancestral com um híbrido folk, que dá corpo a um animal feminino”. O bitcho múltiplo e livre que é, de alguma forma, epítome do trabalho da artista. Pedro André é, desde 2020, compositor residente do Museu da Cidade do Porto e participa, frequentemente, como artista sonoro em projetos colaborativos de artes plásticas e performativas.

Texto de Carla Santos Carvalho

Inês Tartaruga Água

A prática artística multidisciplinar de Inês Tartaruga Água (n. 1994) centra-se nas questões da ecologia profunda, da regeneração radical e da biopolítica. É nesse contexto que se afirma como exploradora de plasticidades sonoras, bem como de práticas colaborativas e participativas no espaço público, alicerçadas numa filosofia DIY. Será precisamente sob os lemas da partilha de conhecimento e do do it yourself que a artista nos propõe, a 23 de setembro, uma aproximação ao seu projeto ongoing ToxiCity, que recolhe e mapeia os níveis de toxicidade ao ar das cidades, refletindo sob as formas como o Antropoceno está a lidar com a emergência climática. Numa primeira fase, propõe-nos um workshop de criação de um leitor de poluição “noise-disruptivo”, e horas mais tarde, a partir desse trabalho de recolha e mapeamento realizará uma performance, em que se equacionam as relações entre humano/natureza/tecnologia. Ambas as ações decorrerão no espaço Hotelier e no espaço exterior do Fórum, a 23 de setembro. Os objetos/instrumentos auto construídos são recorrentemente usados nos concertos performance do duo formado por Inês Tartaruga e Xavier Paes (n. 1994), o artista transdisciplinar que se movimenta entre os campos das artes plásticas, performance e improvisação, a partir de uma essência sonora. Este projeto incorpora, precisamente, todas estas vertentes: trata-se de um duo de música exploratória, criador de paisagens sonoras que vagueiam entre as experiências meditativas, etéreas, a espaços espectrais, e os momentos de explosão/subducção eletroacústica. Inês Tartaruga e Xavier Paes apresentam-se em concerto/performance na BACM a 15 de julho, igualmente no espaço Hotelier.

April

April (n.1999), drag queen e artista multimédia, nasceu e cresceu em Curitiba, no Brasil, mas gosta de afirmar que se “aprimorou no Porto”, cidade a partir da qual desenvolve atualmente a sua prática artística. O seu trabalho explora elementos de raiz transformista em articulação com a performance art. Encontramo-nos, claramente, perante um processo de busca e afirmação identitária, esse percurso contínuo em direção ao eu, “como quem vai em direção a uma meta” de que nos fala Foucault11. Michel Foucault, A hermenêutica do sujeito, trad. Márcio alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail, (São Paulo, Martins Fortes, 2006), 262., que recorre a mediums como a performance, a música ou as artes visuais. Na Maia, o trabalho de April apresenta-se em diversas vertentes: exposição, publicação, workshop, vídeo e email arte. Em termos expositivos, exibem-se uma série de toalhetes desmaquilhantes que a artista usa no final das suas performances, nos quais ficaram impressos vestígios dos rostos das várias personagens em que se desmultiplica. Imagens que não deixam por isso de ser autoficções de si mesma, retratos de um eu em permanente transformação, em perpétuo aperfeiçoamento. A 17 de junho, a artista realiza uma oficina de pintura facial, equacionando precisamente esse processo de transformação do rosto; em agosto, participa na mostra de vídeo com uma obra realizada em parceria com a fotógrafa e videasta Léa Castro Neves (n. 2002); em junho, exibem-se, na rede de mupis, os registos fotográficos das múltiplas personagens em que April se transforma, captados por Léa Castro Neves.

Texto de Carla Santos Carvalho

Tiago Loureiro

O vermelho é a cor primordial, a cor arquetípica, a primeira dominada e reproduzida pelo ser humano, como bem nos lembra Michel Pastoureu na sua história das cores11. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 7. . E é de vermelho (e suas nuances), essa cor que a ciência oitocentista haveria de classificar como primária22. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 155. , que se veste parte do fazer artístico de Tiago Loureiro (n. 1995). Mestre em Práticas Artísticas e Contemporâneas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Loureiro constrói no território expositivo da Bienal uma instalação, que é simultaneamente um espaço performativo. Uma estrutura triangular recoberta de camilhas vermelhas, enormes e pesadas toalhas circulares, da qual ressoam ideias de escultura, mas sobretudo de múltiplas possibilidades de forma e movimento, por isso, necessariamente, de teatralidade. Recorrendo a objetos e figurinos inspirados no seu quotidiano, o artista cria personagens que se movem num universo místico, ritual e, por maioria de razão, onírico. No decurso da Bienal, as possibilidades dos corpos em movimento enquanto transformadores do espaço são exploradas pelo artista em momentos performáticos que apelam à participação da comunidade.

Texto de Carla Santos Carvalho

Miguel Ângelo Marques

Se é verdade que é recorrente um artista ir construindo o seu arquivo pessoal imagético – veja-se como ainda recentemente foram descobertos dois cadernos de desenhos de viagens, de Eugène Delacroix, que desvelam a influência desses esboços e anotações no processo de trabalho do pintor oitocentista francês11. Eugène Delacroix, Journey to the Maghreb and Andalusia, 1832: The travel notebooks and other writings, trad. Michèle Hannoosh, (Pennsylvania, Penn State University Press, 2019). – é também certo que a importância desse arquivo se manifesta de modo diferenciado nas práticas artísticas. No caso de Miguel Ângelo Marques (n. 1994), artista cujo corpus de trabalho assenta na pesquisa de relações entre imagem e signo, esse arquivo, no caso constituído por um vasto reportório imagético pessoal e coletivo, intimamente ligado à noção de memória, assume particular relevância. É a partir dele que constrói as suas narrativas visuais, fundamentalmente através da pintura, mas também com recurso a outros meios como sejam o vídeo, a gravura ou a escultura. É esse, aliás, o caso da sua participação na Bienal. Partindo de uma investigação histórico-sociológica do território maiato – os característicos bordados, as gravuras medievais em pedra ou as icónicas gravuras neolíticas/calcolíticas de Ardegães, entre outros – expande o seu acervo de imagens e a partir dele produz novas pinturas e os baixos-relevos que se apresentam nesta mostra, a que se juntam trabalhos anteriores. Uma menção ao dispositivo expositivo escolhido para exibir os trabalhos de Marques: grandes painéis de dupla face, em que as obras se dispõem em conjuntos, sugerindo leituras individuais e, simultaneamente, coletivas e que, do ponto de vista formal, nos trazem reminiscências do Bilderatlas mnemosyne (1924-29) de Aby Warburg. Tendo em mente o conceito de partilha e das suas possibilidades enquanto instrumento de transformação, denominador comum de todo este certame, Miguel Ângelo Marques orienta uma oficina de desenho destinada a crianças do 1º ciclo.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Yasmine Moradalizadeh

Yasmine Moradalizadeh (n.1999) é luso-iraniana, artista multidisciplinar e arte educadora. A ascendência cruzada assim enunciada, portuguesa/iraniana, católica/muçulmana, porque é a partir dela que se constrói toda uma poiética. Incidindo sobre questões de identidade, território, arquivo e memória e através de meios como a fotografia, o vídeo ou a performance, a artista recorre a vestígios autobiográficos como forma de autorrepresentação. Esta prática multidisciplinar combina vários domínios: as artes plásticas, em que Moradalizadeh é licenciada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, mas também a dança urbana que pratica há década e meia ou o curso de piano que realizou no Conservatório Regional de Música do Médio Ave. No âmbito da recente demanda identitária que tem vindo a realizar – quer individualmente, quer em parceria com a sua irmã, a também artista Rebecca Moradalizadeh – Yasmine pesquisou, entre muitos outros, o processo de tingimento de tecidos no Irão e a aprendizagem de práticas artesanais como o bordado, saberes tradicionalmente transmitidos de avós para netas. No espaço expositivo apresenta-se a instalação Heritage, que surge precisamente na sequência de um trabalho sobre a herança têxtil familiar, após uma viagem realizada ao Irão em 2019. Estes saberes ancestrais da antiga Pérsia e simultaneamente do atual Irão, são transpostos igualmente para o território da Bienal através um workshop realizado pela artista em colaboração com as mulheres da Associação Artes Criativas da Maia, bem como uma oficina/debate com estudantes do ensino secundário. Neste espaço aberto ao outro, neste espaço de partilha em que se afirma o poder transformador do conhecimento e que atravessa todo o espírito da Bienal, emerge naturalmente uma forma de ativismo, que neste caso não poder ser separada quer de um questionamento sobre o papel da mulher no mundo contemporâneo, quer de uma ideia de resistência à islamofobia.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Vicente Mateus

O som é a matéria vital de Vicente Mateus (n.1996). 

Licenciado em artes plásticas, o artista multidisciplinar e arte educador, desenvolve uma práxis ligada ao desenho, mas sobretudo ao som e às suas plasticidades, encontrando na percussão um espaço privilegiado de expressão. 

A esta Bienal, Vicente Mateus traz os seus instrumentos de percussão, quer numa vertente puramente expositiva enquanto instrumentos de uma poiética, quer na sua vertente performática, como veículos de ativação de um tempo e de um ritmo do lugar. O artista concebeu uma instalação sonora para o espaço expositivo, cuja ativação ocorre em diferentes ocasiões no decurso da Bienal, desde logo, no dia inaugural, bem como um trabalho vídeo que será exibido na mostra online e uma publicação. Todas estas peças constitutivas do projeto expositivo ampliam e complexificam as ideias de experimentação e investigação da plasticidade do som que são transversais ao trabalho do artista e, que nalguns momentos, convidam à participação do espetador, até porque, não esqueçamos, ele é também arte educador. Vicente Mateus, apresenta-se, igualmente, em concerto a 17 de junho, com André Silva, com quem constituiu recentemente o duo OLMO. É atualmente artista associado da Sonoscopia, uma estrutura de criação, experimentação e reflexão a partir do som.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Diogo Nogueira

O projeto artístico de Diogo Nogueira (n.1999) tem um carácter autoficcional, no qual reflexões e elementos autobiográficos se cruzam com uma investigação em torno de temas basilares da história da arte ocidental, concretamente dos seus mitos fundadores e da forma como eles se repercutem na contemporaneidade. O artista, licenciando em pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, refere-se à sua prática como uma “auto-mitologia” que pretende, simultaneamente, constituir-se como uma espécie de “mitologia queer”. Especificamente no caso da obra que se agora apresenta, Lutas são feitas fora de casa, senão fica tudo sujo, cujo meio primordial é a cerâmica – mas cujas origens são a pintura e o desenho – o artista usa como referência as gravuras rupestres de Ardegães, bem como alguns objetos cerâmicos datáveis da Idade do Cobre, (partes integrantes do sítio arqueológico, localizado em 2004, no âmbito da Carta Arqueológica do concelho da Maia) e, concomitantemente, todo um referente imagético contemporâneo, pessoal e coletivo, que se reifica nesse conjunto cerâmico, do qual emana uma narrativa necessariamente ficcional que interpela o visitante da Bienal. 

Diogo Nogueira é membro fundador do projeto O Bueiro (2021), e, atualmente, é artista residente no Clube de Desenho.

Texto de Carla Santos Carvalho

Carla Castiajo

Questionar, inquietar, provocar. A estes verbos – mutações de um estado para outro – se pode associar o corpus de trabalho de Carla Castiajo (n. 1974). A artista, que tem o cabelo humano como principal matéria do seu fazer artístico, constrói a sua prática no espaço intersticial de uma série de antonímias: atração/aversão, belo/horrível, coincidência/desfasamento ou vida/morte. Os materiais orgânicos de que se compõem as obras de Castiajo, concretamente os que aqui se apresentam, desde logo o cabelo, revestem-se de um carácter metonímico, ou como nos ensinou Rosalind E. Krauss, de um carácter indicial11. Rosalind E. Krauss, “Notes on the index: part 2”, in The originality of the Avant-Garde and other modernist myths, (The MIT Press, 1986), 211.. Estes vestígios indiciais, os cabelos, os pelos púbicos, são formas de estabelecer uma presença, que é simultaneamente uma ausência, dir-se-ia. Ao explorar estes materiais, Castiajo pretende refletir sobre questões do nosso tempo, que são simultaneamente questões de todos os tempos. Ao construir objetos artísticos – quer sejam joalharia, o seu medium primordial, quer sejam escultura – cuja matéria base é um elemento orgânico que acompanha a existência material do sujeito, mas que lhe sobrevive, a artista portuense convoca uma das preocupações mais recorrentes do humano, a finitude. A estes objetos não é também alheia uma certa ideia de hibridismo, na medida em que a joalharia pode ser escultura, a escultura pode ser joalharia. Recentemente, a artista integrou o bordado na sua prática artística e, nesse contexto, realiza na BM23 um workshop em colaboração com a Associação Artes Criativas da Maia.

Texto de Carla Santos Carvalho