Filipa Valente

O projeto de Filipa Valente (n. 1999) Campos Magnéticos: Rede informal de espaços geridos por artistas no Porto, entre 1999 e 2022, propõe-se analisar criticamente “a problemática da relação entre a prática curatorial independente autogerida por artistas e o contexto expositivo institucional e respetiva legitimação simbólica”. A artista/investigadora e curadora identificou e mapeou os espaços geridos por artistas na cidade do Porto nas últimas décadas, ao mesmo tempo que foi registando o percurso dos artistas que por aí passaram e, por maioria de razão, observando a cidade enquanto ser vivo em permanente mutação. O resultado dessa investigação desdobra-se em múltiplas plataformas. Desde logo, num site “arquivo-vivo”, cujo propósito se enuncia a três níveis: identificar, documentar e divulgar. A participação de Filipa Valente nesta Bienal ocorre em duas dimensões: uma delas relacionada com a investigação Campos Magnéticos, primeiro em formato expositivo de representação gráfica da investigação, mas também em vídeo, email arte e uma publicação (no caso, o mapa resultante do projeto que permite ao espetador uma deriva pela cidade, fazendo o reconhecimento dos espaços mencionados); e, igualmente, na vertente residência artística, no âmbito da qual recorre a técnicas artesanais ancestrais como o ponto de Arraiolos, o bordado ou a tecelagem como forma de representação de espécies da fauna e flora lusitânica, para desenvolver um projeto que reflete sobre uma questão bem contemporânea, a problemática dos ecossistemas ameaçados, como consequência da ação humana. Como o curador José Maia gosta de afirmar, o trabalho de Filipa Valente presente nesta BACM “tal como a pista de dança [espaço central desta edição], é uma utopia realizável”. 

Texto de Carla Santos Carvalho

Iñaki Aires

Iñaki Aires (n. 1996) vive e trabalha no Porto, cidade a partir da qual desenvolve um modus faciendi assente sobretudo na tatuagem, essa arte milenar de transformação do corpo. Foi na portuense escola artística Soares dos Reis que Aires se iniciou nesta prática, tendo vindo a colaborar, desde então, com estúdios de tatuagem um pouco por todo o mundo. Neste percurso foi construindo um multifacetado arquivo imagético, que integra a sua iconografia, bem como outros trabalhos gráficos e fotográficos, que usa como base quer para a elaboração de publicações de artista, quer para a transposição para os corpos. 

Na Maia, em jeito de performance, procede à tatuagem de um corpo no dia inaugural de uma Bienal que se afirma precisamente como sendo de formação e transformação, de partilha e debate, convocando várias linhas de pensamento crítico, desde logo, a da identidade. Ora, se o questionamento do corpo em transformação é de alguma forma transversal a muitas práticas artísticas em presença, ele é-o indubitavelmente quando pensamos em tatuagem. A partir do seu arquivo imagético, Iñaki Aires, também aqui trará um conjunto de colagens, realizadas a partir de imagens retirada de antigas enciclopédias, desde o século XVI até aos nossos dias, que desprovidas do seu contexto original e num exercício de alguma forma abstratizante são aqui justapostas e sobrepostas adquirindo novos significados.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Mariana Barrote

Caudal rítmico no leito opalino (2023), essa nave do futuro da qual ecoam tempos passados, é peça central, do conjunto de trabalhos que Mariana Barrote (n. 1986) apresenta na BACM. Doutoranda em Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, a artista desenvolve uma pesquisa que reflete sobre as políticas de representação do corpo a partir dos seus processos evolutivos e sistemas de classificação. O corpo e as suas transformações ancoradas em memórias despoletadas por gestos, gestos iterados no espaço e no tempo, o corpo no seu campo expandido. É dessa matéria que se faz essa nave-sarcófago opalina, encapsulando vestígios de um corpo só imaginado – uma máscara, uma braçadeira, um par de mãos entrelaçadas repousam no topo do artefacto. O tempo suspenso é interrompido por um conjunto de desenhos cravados a goiva em folha de silicone, observáveis nas faces laterais da obra, bem como nos já referidos vestígios. Sobre eles afirma a artista: “Como a nossa pele, onde se inscreve um tempo anterior ao da nossa forma, literalmente, a superfície da peça está inscrita, na sua maioria. As paredes têm relevos com desenhos de sequências de corpos e movimentos, muitos deles partiram da observação do arquivo digital que compilei. Todos remetem ao corpo, à sua replicação, desmultiplicação”.  Se por um lado esta peça, bem como as colunas que a ladeiam, nos remetem para a ideia de sepulcro, de rito funerário, não é despiciendo o facto delas, simultaneamente, emanar a luz, sinónimo de vida. É neste fluxo entre o que foi/o que é/o que virá a ser que a obra acontece. Nesta exposição mostra-se também uma série de desenhos a tinta-da-china à qual está subjacente a mesma lógica de repetição e transformação que povoa Caudal…; igualmente se apresentam três vídeos, parte de uma série intitulada Tour de Main, expressão francesa que suscita uma duplicidade interpretativa que é uma recorrência do trabalho de Barrote.

Texto de Carla Santos Carvalho

Vicente Mateus

O som é a matéria vital de Vicente Mateus (n.1996). 

Licenciado em artes plásticas, o artista multidisciplinar e arte educador, desenvolve uma práxis ligada ao desenho, mas sobretudo ao som e às suas plasticidades, encontrando na percussão um espaço privilegiado de expressão. 

A esta Bienal, Vicente Mateus traz os seus instrumentos de percussão, quer numa vertente puramente expositiva enquanto instrumentos de uma poiética, quer na sua vertente performática, como veículos de ativação de um tempo e de um ritmo do lugar. O artista concebeu uma instalação sonora para o espaço expositivo, cuja ativação ocorre em diferentes ocasiões no decurso da Bienal, desde logo, no dia inaugural, bem como um trabalho vídeo que será exibido na mostra online e uma publicação. Todas estas peças constitutivas do projeto expositivo ampliam e complexificam as ideias de experimentação e investigação da plasticidade do som que são transversais ao trabalho do artista e, que nalguns momentos, convidam à participação do espetador, até porque, não esqueçamos, ele é também arte educador. Vicente Mateus, apresenta-se, igualmente, em concerto a 17 de junho, com André Silva, com quem constituiu recentemente o duo OLMO. É atualmente artista associado da Sonoscopia, uma estrutura de criação, experimentação e reflexão a partir do som.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Teresa Bessa

Artista multidisciplinar e performer sediada no Porto, Teresa Bessa (n. 2000) recorre a meios como a pintura, o desenho, o vídeo ou a fotografia. A sua prática artística assenta, sobretudo, num questionamento contínuo da identidade, nas suas facetas existenciais, queer, feministas e sociopolíticas. O corpo e os seus contextos são, por isso, questões centrais no trabalho de Teresa Bessa. É daí que parte para a construção de narrativas ficcionais e metafóricas das quais ressoam ecos expressivos e surrealizantes.  

Simultaneamente, inicia em 2022, o projeto documental Morto. com inevitável correlação com a imagem de marca do município Porto. Trata-se de um ensaio fotográfico in progress, acerca dos processos de gentrificação, equacionando problemáticas como a dualidade centro-periferia ou as desigualdades socioeconómicas. É precisamente este projeto que Teresa Bessa traz à BACM23, desta feita investigando e percorrendo as terras da Maia e mapeando as suas idiossincrasias. O trabalho exibe-se no recinto principal da exposição e nas áreas exteriores, em 16 mupis do município, bem como numa publicação de artista.

Licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2020 funda, com Beatriz Vale, o coletivo artístico Super Bronca, com o propósito de desenvolver práticas performativas de raiz experimental precisamente questionando a identidade e os limites do corpo e a sua inserção no contexto sociopolítico. A dupla Super Bronca apresenta-se em concerto na Bienal, com a promessa de sonoridades de raiz experimental, de que ressoam claramente ecos do rock feminino.

Texto de Carla Santos Carvalho

Sofia Lomba

O corpo é a matéria de que se faz a obra de Sofia Lomba (n. 1984). Quer seja na sua vertente performática, quer seja através do desenho. E nessa matéria que é o corpo, essa matéria dúctil, em permanente mutação, que se fundem arte e vida. A partir dele, a artista multidisciplinar explora questões de género e identidade, questões de sexualidade e suas representações, sob um viés ecofeminista.

A atenção de Sofia Lomba está particularmente focada na desconstrução do discurso dominante de género e na forma como ele produz e reproduz, como ele cria e condiciona os corpos, sujeitando-os a uma apertada e rígida camisa de forças normativa.  

As diáfanas séries de desenhos de grandes dimensões (acrílico sobre seda) envolvem o espetador numa paisagem híbrida, espécie de floresta simultaneamente genitália e floral, entretecida entre a imagética de raiz científica e o imaginário especulativo. Estas imagens são sujeitas a um processo de iteração e transformação, no qual a vagina se faz vulcão se faz vulva se faz clitóris se faz pénis. São estas paisagens híbridas, mas também as suas práticas performativas que aqui se apresentam, nomeadamente, a conversa performance em que os desenhos se transformam em toalhas de piquenique, no qual a comunidade é convidada a participar.

Texto de Carla Santos Carvalho

Pedra no Rim

No princípio era o Bonfim. É nessa freguesia portuense que, em 2018, Fabrizio Matos (n. 1975) e Israel Pimenta (n. 1972) criam o projeto artístico Pedra no Rim. É a partir desse território que desenvolvem uma prática artística peripatética, de reconhecimento e fixação em imagens fotográficas de despojos, de lixo, de objetos encontrados, se se quiser, de naturezas mortas, que são posteriormente materializados em esculturas de cerâmica, constituindo-se como uma espécie de memória do lugar, uma tentativa de contrariar a diluição identitária em curso em alguns bairros da cidade. Uma memória necessariamente sociopolítica, que vagueia entre o belo e o grotesco, salpicada por uma dose de humor e a que não será alheia uma certa aura de mistério. Há nesta dupla artística um cuidado no fazer que replica um cuidado com o lugar, com a vizinhança, com o outro e, por extensão, com o mundo.

É também esse trabalho de desvelamento, de revelação do que está escondido ou esquecido, que agora se apresenta na Bienal da Maia. A alguns objetos trazidos da experiência do Bonfim, somam-se novos trabalhos. Pondo em prática a mesma metodologia usada no Porto, expande-se aqui o campo de pesquisa, adicionando-se novas imagens ao arquivo fotográfico que alimenta o acervo in progress das obras tridimensionais que constituem o projeto Pedra no Rim

Se no início era o Bonfim, hoje o campo de ação estende-se a outros territórios, alargando-se esse arquivo, que é, num certo sentido, um arquivo do humano.

Texto de Carla Santos Carvalho

Inês Coelho

Inspirado em aspetos particulares do quotidiano, o fazer escultórico de Inês Dias Coelho (n. 1996) tem um carácter marcadamente lúdico e onírico, mas simultaneamente desafiador das convenções sociais, desde logo, as que dizem respeito a questões de sexualidade. 

Nesta exposição apresenta-se um conjunto de obras – escultura e instalação – quer no espaço expositivo interior, quer no exterior. A artista recorre a materiais tão ecléticos quanto o cimento, o ferro, o latão, o espelho, a pasta de papel, o serrim, a madeira e um outro, o mosaico cerâmico, que tem sido uma presença constante no seu trabalho. Uma das suas peças fulcrais nesta exposição, pode dizer-se, é Sad disco (2022). Uma bola de espelhos, representando duas faces tristes. Uma espécie de lose-lose situation que por antítese se inscreve precisamente nesse objeto de carácter lúdico, a bola de espelhos, que inevitavelmente associamos à ideia de festa A obra e as suas antinomias apresentam-se num espaço expositivo central que durante a Bienal será precisamente sinónimo de comunidade, de festa e de partilha. 

Inês Dias Coelho (n. 1996) é licenciada em Artes Plásticas/Escultura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e pós-graduada em Multimédia/Cultura e Artes, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Texto de Carla Santos Carvalho

Carlos Trancoso

O olhar perspetivado no trabalho de Carlos Trancoso (n.1989), é primordialmente um olhar fotográfico. É a partir dele que o artista multidisciplinar questiona as formas como o ser humano se relaciona com a tecnologia, criando imagens sem câmara, cruzando diversos meios com imagens geradas por computador.

Operando nas fronteiras entre o documental e a ficção, Trancoso questiona os padrões estabelecidos de criação imagética nas sociedades hodiernas. 

Na Bienal da Maia, o artista ultrapassa os limites da bidimensionalidade ao criar objetos tridimensionais, com recurso à impressão 3D. Refletindo sobre o conceito de documento digital, em duas vertentes, enquanto veículo de informação e simultaneamente como testemunho de comportamentos isolados num cenário virtual, a série Backup, que aqui se apresenta, usa a duplicação, a cópia, enquanto mecanismo de poder, transformando-a dessa forma em protocolo.  Os trabalhos de Trancoso iteram a ideia de que, na era digital, o “direito ao esquecimento” é uma aporia inultrapassável. Além da série Backup, apresentam-se no espaço expositivo do Fórum publicações realizadas pelo artista e podemos. Igualmente, observar alguns dos seus trabalhos na rede de mupis da cidade. In situ, propõe-se, num primeiro momento, fotografar artistas e outras pessoas envolvidas na Bienal, trabalhos que após a impressão, recorte e montagem adquirem uma natureza tridimensional. Esse efeito transformador, do “bi ao tri”, será igualmente experienciado pelo público num workshop.

Texto de Carla Santos Carvalho