António Manso Preto

São bons ventos os que trazem o projeto A Leste até a BM23. Com eles chegam promessas de dias soalheiros e simultaneamente de tempestades.

No decurso da Bienal, esta comunidade de afetos, de experimentação transdisciplinar e reflexão crítica, transporta-se do Porto para a Maia. No espaço expositivo, propõe-se criar uma instalação performativa, híbrida e orgânica, que se auto define como um “local de partilha, empatia, multi-pluri-trans”. É nesse lugar de fruição, ao mesmo tempo de relaxamento e festa, de discussão e partilha, de exposição e pensamento – em permanente estado de ativação – que decorrem quatro momentos performativos que convidam à participação da comunidade: um projeto colaborativo dos artistas Leonor Parda e António Manso Preto; uma performance do bailarino e coreógrafo António Ónio; uma outra, da artista multidisciplinar FER, cuja prática se move entre a performance, a música e o teatro; e finalmente, a festa, que contará com as participações do artista visual e músico Pisitakun Kuantalaeng, bem como de FER, Onio e Parda.

Ocupando o lugar se transforma o lugar, se transforma o mundo. A Leste na Bienal da Maia é de alguma forma um epíteto de uma Bienal que se pretende afirmar como um espaço de “utopias realizáveis”.

Super Bronca

Artista multidisciplinar e performer sediada no Porto, Teresa Bessa (n. 2000) recorre a meios como a pintura, o desenho, o vídeo ou a fotografia. A sua prática artística assenta, sobretudo, num questionamento contínuo da identidade, nas suas facetas existenciais, queer, feministas e sociopolíticas. O corpo e os seus contextos são, por isso, questões centrais no trabalho de Teresa Bessa. É daí que parte para a construção de narrativas ficcionais e metafóricas das quais ressoam ecos expressivos e surrealizantes.  

Simultaneamente, inicia em 2022, o projeto documental Morto. com inevitável correlação com a imagem de marca do município Porto. Trata-se de um ensaio fotográfico in progress, acerca dos processos de gentrificação, equacionando problemáticas como a dualidade centro-periferia ou as desigualdades socioeconómicas. É precisamente este projeto que Teresa Bessa traz à BACM23, desta feita investigando e percorrendo as terras da Maia e mapeando as suas idiossincrasias. O trabalho exibe-se no recinto principal da exposição e nas áreas exteriores, em 16 mupis do município, bem como numa publicação de artista.

Licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2020 funda, com Beatriz Vale, o coletivo artístico Super Bronca, com o propósito de desenvolver práticas performativas de raiz experimental precisamente questionando a identidade e os limites do corpo e a sua inserção no contexto sociopolítico. A dupla Super Bronca apresenta-se em concerto na Bienal, com a promessa de sonoridades de raiz experimental, de que ressoam claramente ecos do rock feminino.

Texto de Carla Santos Carvalho

Hugo miguel santos – sem texto

Hugo Miguel Santos (1995) nasceu em Viana do Castelo.

Escreveu Prelúdio e Fuga em Português Suave, publicado pela Fresca Editores (2022), e participou no volume colectivo Opúsculos Dramáticos, editado pela Público Reservado (2021).

Estudou Filosofia na Universidade do Porto e na Università degli Studi di Milano. Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes com a Dissertação final Poéticas do Nome Próprio na Contemporaneidade: algumas Hipóteses de Leitura, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Escreve regularmente para exposições individuais de artistas plásticos como Francisco Venâncio, João Bonito, Nuno Ramalho e Paulo Mariz. E com Francisco M. Gomes iniciou a Mostra de Primeiras Curtas (2019) no Café Candelabro.

Passa a maioria do seu tempo na Livraria Térmita, onde é livreiro e ajuda a organizar tudo o que seja necessário desde exposições, apresentações de livros ou mostras de filmes.

arcana

O coletivo ARCANA nasceu das mentes de LAVA e Miss Jade numa mesa de café em frente ao Teatro Rivoli, no ano de 2020. Encontrando-se na Faculdade de Letras (onde estudam), as ideias e paradigmas que partilham (exemplo: ser queer, gostar de música eletrónica, …) desencadearam esta união de artistas. Vindos desde São Paulo até o Porto, fundem-se num linguajar agressivo e pulsante de energia, tanto ao nível estético quanto musical. Com apenas um ano de existência, já pisaram palcos como a Galeria Zé dos Bois em Lisboa e Passos Manuel no Porto, marcando estreia na cidade que os acolheu. Cada um com a sua personalidade, porém com ambivalências que se conectam ao som do grave, do caos e da contemporaneidade marginal. Nosso lema é “PUTARIA DA BRABA E MUITA MÚSICA BOA”.

Liza Frank é DJ, ilustradora e designer e é parte integrante do coletivo ARCANA. Residente no Porto mas com o coração para sempre preso ao ciberespaço, os seus sets são uma amálgama coesa e frenética de sons derivados da cultura da Internet, da cultura pop japonesa e portuguesa e da música dance queer.

Bug Snapper é músico, produtor e artista multimédia do Porto. Em formato DJ set, promete dirigir uma viagem musical por várias das suas influências dentro da música de dança electrónica, passando por géneros como IDM, breakbeat, techno, acid house e dance-pop.

LAVA é a/o personagem de intervenção performática de Allian Fernando, seu hospedeiro, artista plástico e um dos fundadores do coletivo ARCANA. Influências do funk de São Paulo e Rio de Janeiro estão presentes nos seus sets, variando do rave ao experimental, aliado ao universo hyperpop e afro-beat.

Bug Snapper

Logo nos planos iniciais de Greenhouse (2023) – título de um vídeo realizado para uma música homónima – transparece a influência formal que o cinema experimental do norte-americano Stan Brakhage (1933-2003) exerce neste exercício de Bug Snapper, projeto a solo do músico, produtor, DJ e artista multimédia Rui Santos (1998). Se pensarmos em alguns planos da curta-metragem The wonder ring (1955), como é o caso dos travellings de câmara ao ombro, só para dar um exemplo, essa marca, aliás reclamada pelo artista portuense, torna-se evidente. Claro que a imagética também essencialmente abstrata de Bug Snapper é um produto do seu tempo. Do ponto de vista visual, o artista recorre a uma mescla de imagens digitais de satélite e imagens geradas por inteligência artificial, com o propósito de acompanhar uma composição musical eletrónica. O trabalho tem como referência estética, explica o artista, a glitch art, ou seja, a identificação de falhas, de erros, de distorções e a sua incorporação propositada nas sequências, gerando movimentos rápidos abstratizantes. Este trabalho Bug Snapper exibe-se na mostra de vídeo. O artista fará igualmente uma performance enquanto músico e DJ.  Se o seu trabalho na banda Cat Soup se centra no rock instrumental e no pós-rock, já o percurso que vem percorrendo a solo – que deu origem a dois EP, um single e ao álbum Neptune Recreation Center (2022), tem uma essência eletrónica, com faixas mais rítmicas e dançáveis, outras próximas da ambient music, cujo elemento comum é uso de sintetizadores.

Texto de Carla Santos Carvalho

Clara de Cápua

Duas projeções simultâneas, duas narrativas paralelas convergem para um desfecho anunciado. O movimento perpétuo das marés, a passagem do tempo ou lembrando o que nos ensina Didi-Huberman, “diante da imagem estamos sempre diante do tempo”11. Georges Didi-Huberman, Diante do tempo, trad. Luís Lima, (Lisboa, Orfeu Negro, 2017), 9., pois perante a imagem passado e presente não cessam de se reconfigurar, não cessam de se desmultiplicar. Numa das imagens em movimento que agora observamos, um corpo abandona-se à beira-mar e há de ficar lentamente submerso pela subida da maré, até se desvanecer nas águas atlânticas de Coruripe; na outra que corre simultânea, à medida que a maré baixa, uma pequena embarcação de pesca, sem mestre, qual navio fantasma, vai acostando até encalhar ou “dar em seco”, como diriam os pescadores deste lado do atlântico. Este exercício fílmico, intitulado Naufrágio (2021), da autoria de Clara de Cápua (n. 1984) incorpora os temas recorrentes da artista brasileira. É com ele que participa na Bienal, concretamente na mostra de vídeo. Atualmente doutoranda da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Clara de Cápua é licenciada em Artes Cénicas e Mestre em Artes. A sua práxis desenvolve-se precisamente nestes dois domínios: as artes performativas e as artes visuais, explorando questões de temporalidade, as tensões ausência/presença, bem como as pulsões narrativas que emanam da imagem. Recorre a diversos mediums como o desenho, a gravura, a pintura ou o vídeo.

Texto de Carla Santos Carvalho

Inês Tartaruga Água

A prática artística multidisciplinar de Inês Tartaruga Água (n. 1994) centra-se nas questões da ecologia profunda, da regeneração radical e da biopolítica. É nesse contexto que se afirma como exploradora de plasticidades sonoras, bem como de práticas colaborativas e participativas no espaço público, alicerçadas numa filosofia DIY. Será precisamente sob os lemas da partilha de conhecimento e do do it yourself que a artista nos propõe, a 23 de setembro, uma aproximação ao seu projeto ongoing ToxiCity, que recolhe e mapeia os níveis de toxicidade ao ar das cidades, refletindo sob as formas como o Antropoceno está a lidar com a emergência climática. Numa primeira fase, propõe-nos um workshop de criação de um leitor de poluição “noise-disruptivo”, e horas mais tarde, a partir desse trabalho de recolha e mapeamento realizará uma performance, em que se equacionam as relações entre humano/natureza/tecnologia. Ambas as ações decorrerão no espaço Hotelier e no espaço exterior do Fórum, a 23 de setembro. Os objetos/instrumentos auto construídos são recorrentemente usados nos concertos performance do duo formado por Inês Tartaruga e Xavier Paes (n. 1994), o artista transdisciplinar que se movimenta entre os campos das artes plásticas, performance e improvisação, a partir de uma essência sonora. Este projeto incorpora, precisamente, todas estas vertentes: trata-se de um duo de música exploratória, criador de paisagens sonoras que vagueiam entre as experiências meditativas, etéreas, a espaços espectrais, e os momentos de explosão/subducção eletroacústica. Inês Tartaruga e Xavier Paes apresentam-se em concerto/performance na BACM a 15 de julho, igualmente no espaço Hotelier.

Júlia de Luca

O corpo caminhante de Júlia de Luca (n. 1990) inscreve-se na paisagem num registo do qual ressoa esse momento transformador em que a arte deixa de imitar a natureza para se envolver com a natureza, ou como sustenta Maderuelo, esse momento em que natureza passa a ser “sujeito, processo ou destino do ato artístico” e em que, concomitantemente, esse ato artístico não se constrói “como uma representação formal da natureza, mas com a consciência da perceção das relações entre o homem e o mundo natural”11. Javier Maderuelo, Actas arte y naturaleza del I Curso. (Huesca, Diputación de Huesca, 1995), 17.. A poiética de Luca, herdeira de uma longa linhagem de práticas artísticas como a land art ou a body art, afirma-se primeiro como performance na paisagem, recorrendo a vários meios, como a fotografia ou o vídeo, como forma de registar esses momentos performático-narrativos que são, ao mesmo tempo, percursos de pesquisa e descoberta de si mesma.

Em minha prática, observo como meu corpo responde a sentimentos e emoções. Proponho-me navegar em campos internos para trazer de alguma forma o que ainda era obscuro, muito subjetivo ou difícil de me relacionar.

Também assim aconteceu na Maia, onde a artista multidisciplinar brasileira esteve em residência. São os registos desses percursos performáticos no território maiato que se apresentam na Bienal: em junho na rede de mupis da cidade e, em permanência, na mostra de vídeo.

Texto de Carla Santos Carvalho

Tiago Loureiro

O vermelho é a cor primordial, a cor arquetípica, a primeira dominada e reproduzida pelo ser humano, como bem nos lembra Michel Pastoureu na sua história das cores11. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 7. . E é de vermelho (e suas nuances), essa cor que a ciência oitocentista haveria de classificar como primária22. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 155. , que se veste parte do fazer artístico de Tiago Loureiro (n. 1995). Mestre em Práticas Artísticas e Contemporâneas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Loureiro constrói no território expositivo da Bienal uma instalação, que é simultaneamente um espaço performativo. Uma estrutura triangular recoberta de camilhas vermelhas, enormes e pesadas toalhas circulares, da qual ressoam ideias de escultura, mas sobretudo de múltiplas possibilidades de forma e movimento, por isso, necessariamente, de teatralidade. Recorrendo a objetos e figurinos inspirados no seu quotidiano, o artista cria personagens que se movem num universo místico, ritual e, por maioria de razão, onírico. No decurso da Bienal, as possibilidades dos corpos em movimento enquanto transformadores do espaço são exploradas pelo artista em momentos performáticos que apelam à participação da comunidade.

Texto de Carla Santos Carvalho

Mathias Gramoso com Ivy Lee Fiebig e Pedro Moraes

A preocupação com as questões ecológicas, com as alterações climáticas, atravessa a prática artística de Mathias Gramoso (n. 1990), materializando-se em intervenções e instalações no espaço público e em galerias, um pouco por toda a Europa. Há um outro traço transversal ao trabalho do artista franco-português, o facto de habitualmente se desenvolver em processos colaborativos. Assim acontece na Maia. A instalação I died once, I can die twice (2023) constitui-se como um corredor/túnel negro, de aproximadamente 15m quadrados, com duas entradas, cujo solo é recoberto por cinzas e areias provenientes de incêndios florestais recentemente ocorridos em Portugal. Uma antinómica versão An die Freude, a ode à alegria de Schiller, parte integrante da Nona de Beethoven, confronta sensorialmente o espetador, ao mesmo tempo que a luz difusa reforça a ideia de cenário pós-apocalíptico. As sonoridades perfeitas do compositor alemão entrelaçam-se com registos sonoros dos ventos Iónicos captados por Ivy Lee Fiebig (n. 1992) enquanto navegava no Mediterrâneo. A instalação sonora Lodos & Poyraz, os ventos a que a tradição popular, com raízes na mitologia clássica, também chama Ventos das bruxas (por provocarem alterações físicas e psíquicas nos seres humanos), insere-se numa prática que tem conduzido a artista alemã a territórios de pesquisa e construção de atmosferas psicológicas, microclimas reativos e espaços de experimentação em que se equacionam vida e sustentabilidade. Questões que de outra forma estão igualmente presentes no trabalho do artista paulistano, Pedro Moraes (n. 1990). A-B é uma instalação de 2m x 1m, que aspira o pó do presente, o pó invisível remanescente da ação humana e filtra-o, para o transformar em arte. Só que essa transmutação resultante do processo de filtragem das partículas do ar, só se torna possível pela passagem do tempo, é ela que reificará os pigmentos em “pintura”.  É nesta perceção de contrastes e paradoxos que acontece o trabalho de Pedro Moraes. Gramoso, Fiebig e Moraes vivem e trabalham em Berlim.

Texto de Carla Santos Carvalho