Leonor Parda

São bons ventos os que trazem o projeto A Leste até a BM23. Com eles chegam promessas de dias soalheiros e simultaneamente de tempestades.

No decurso da Bienal, esta comunidade de afetos, de experimentação transdisciplinar e reflexão crítica, transporta-se do Porto para a Maia. No espaço expositivo, propõe-se criar uma instalação performativa, híbrida e orgânica, que se auto define como um “local de partilha, empatia, multi-pluri-trans”. É nesse lugar de fruição, ao mesmo tempo de relaxamento e festa, de discussão e partilha, de exposição e pensamento – em permanente estado de ativação – que decorrem quatro momentos performativos que convidam à participação da comunidade: um projeto colaborativo dos artistas Leonor Parda e António Manso Preto; uma performance do bailarino e coreógrafo António Ónio; uma outra, da artista multidisciplinar FER, cuja prática se move entre a performance, a música e o teatro; e finalmente, a festa, que contará com as participações do artista visual e músico Pisitakun Kuantalaeng, bem como de FER, Onio e Parda.

Ocupando o lugar se transforma o lugar, se transforma o mundo. A Leste na Bienal da Maia é de alguma forma um epíteto de uma Bienal que se pretende afirmar como um espaço de “utopias realizáveis”.

FER

São bons ventos os que trazem o projeto A Leste até a BM23. Com eles chegam promessas de dias soalheiros e simultaneamente de tempestades.

No decurso da Bienal, esta comunidade de afetos, de experimentação transdisciplinar e reflexão crítica, transporta-se do Porto para a Maia. No espaço expositivo, propõe-se criar uma instalação performativa, híbrida e orgânica, que se auto define como um “local de partilha, empatia, multi-pluri-trans”. É nesse lugar de fruição, ao mesmo tempo de relaxamento e festa, de discussão e partilha, de exposição e pensamento – em permanente estado de ativação – que decorrem quatro momentos performativos que convidam à participação da comunidade: um projeto colaborativo dos artistas Leonor Parda e António Manso Preto; uma performance do bailarino e coreógrafo António Ónio; uma outra, da artista multidisciplinar FER, cuja prática se move entre a performance, a música e o teatro; e finalmente, a festa, que contará com as participações do artista visual e músico Pisitakun Kuantalaeng, bem como de FER, Onio e Parda.

Ocupando o lugar se transforma o lugar, se transforma o mundo. A Leste na Bienal da Maia é de alguma forma um epíteto de uma Bienal que se pretende afirmar como um espaço de “utopias realizáveis”.

Inês Tartaruga Água e Xavier Paes

A prática artística multidisciplinar de Inês Tartaruga Água (n. 1994) centra-se nas questões da ecologia profunda, da regeneração radical e da biopolítica. É nesse contexto que se afirma como exploradora de plasticidades sonoras, bem como de práticas colaborativas e participativas no espaço público, alicerçadas numa filosofia DIY. Será precisamente sob os lemas da partilha de conhecimento e do do it yourself que a artista nos propõe, a 23 de setembro, uma aproximação ao seu projeto ongoing ToxiCity, que recolhe e mapeia os níveis de toxicidade ao ar das cidades, refletindo sob as formas como o Antropoceno está a lidar com a emergência climática. Numa primeira fase, propõe-nos um workshop de criação de um leitor de poluição “noise-disruptivo”, e horas mais tarde, a partir desse trabalho de recolha e mapeamento realizará uma performance, em que se equacionam as relações entre humano/natureza/tecnologia. Ambas as ações decorrerão no espaço Hotelier e no espaço exterior do Fórum, a 23 de setembro. Os objetos/instrumentos auto construídos são recorrentemente usados nos concertos performance de Inês Tartaruga e Xavier Paes (n. 1994), o artista transdisciplinar que se movimenta entre os campos das artes plásticas, performance e improvisação, a partir de uma essência sonora. O projeto incorpora, precisamente, todas estas vertentes: trata-se de um duo de música exploratória, criador de paisagens sonoras que vagueiam entre as experiências meditativas, etéreas, a espaços espectrais, e os momentos de explosão/subducção eletroacústica. Inês Tartaruga e Xavier Paes apresentam-se em concerto/performance na BACM a 15 de julho, igualmente no espaço Hotelier.

Texto de Carla Santos Carvalho

April

April (n.1999), drag queen e artista multimédia, nasceu e cresceu em Curitiba, no Brasil, mas gosta de afirmar que se “aprimorou no Porto”, cidade a partir da qual desenvolve atualmente a sua prática artística. O seu trabalho explora elementos de raiz transformista em articulação com a performance art. Encontramo-nos, claramente, perante um processo de busca e afirmação identitária, esse percurso contínuo em direção ao eu, “como quem vai em direção a uma meta” de que nos fala Foucault11. Michel Foucault, A hermenêutica do sujeito, trad. Márcio alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail, (São Paulo, Martins Fortes, 2006), 262., que recorre a mediums como a performance, a música ou as artes visuais. Na Maia, o trabalho de April apresenta-se em diversas vertentes: exposição, publicação, workshop, vídeo e email arte. Em termos expositivos, exibem-se uma série de toalhetes desmaquilhantes que a artista usa no final das suas performances, nos quais ficaram impressos vestígios dos rostos das várias personagens em que se desmultiplica. Imagens que não deixam por isso de ser autoficções de si mesma, retratos de um eu em permanente transformação, em perpétuo aperfeiçoamento. A 17 de junho, a artista realiza uma oficina de pintura facial, equacionando precisamente esse processo de transformação do rosto; em agosto, participa na mostra de vídeo com uma obra realizada em parceria com a fotógrafa e videasta Léa Castro Neves (n. 2002); em junho, exibem-se, na rede de mupis, os registos fotográficos das múltiplas personagens em que April se transforma, captados por Léa Castro Neves.

Texto de Carla Santos Carvalho

Maria Paz e Leonor Arnaut   

A liberdade é um mistério,
todo dia se decifra
todo dia se disfarça11. Tom Zé, “Sobre a liberdade”, faixa 3 em O jardim da política, Palavra Cantada Produções Musicais, 1998, CD.

O trabalho de Maria Paz (n. 1998) é sobre a liberdade, sobre a emancipação. A emancipação do corpo, a liberdade de género, a liberdade de ser. E é sobretudo na escultura, em objetos cerâmicos ou de pedra, que se materializam as suas formas híbridas fantásticas, de cariz abstratizante, que, no entanto, não parecem desligadas de uma certa ideia de pintura. Esse fluxo contínuo entre a pintura e a escultura, presente no corpus de trabalho da artista é, por exemplo, observável na obra bandeira, pintura sobre tecido, cuja dimensão substancial e a forma como se dispõe no espaço acaba por lhe conferir um caráter para além do bidimensional. A relação torna-se mais evidente em trabalhos como as monstras, nos quais a pintura se torna efetivamente tridimensional. Aí, talvez mais do que em qualquer outro das peças que se apresentam nesta exposição, vêm à superfície os questionamentos de Maria Paz: a afirmação do corpo emancipado, intersexual, nutrício, vital, desmultiplicado, livre. É, de resto, a partir desta instalação, composta por criaturas orgásticas, que Maria Paz constrói um diálogo com a arte vocal de Leonor Arnaut (n. 1996), que se materializa numa instalação sonora e num concerto performativo que Arnaut fará no primeiro dia da Bienal. Um diálogo que é também um convite à transmutação dos corpos e dos sonhos para um novel território habitado por seres fluídos e livres.

Texto de Carla Santos Carvalho

Tiago Loureiro

O vermelho é a cor primordial, a cor arquetípica, a primeira dominada e reproduzida pelo ser humano, como bem nos lembra Michel Pastoureu na sua história das cores11. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 7. . E é de vermelho (e suas nuances), essa cor que a ciência oitocentista haveria de classificar como primária22. Michel Pastoureau, Vermelho, trad. José Alfaro, (Lisboa, Orfeu Negro, 2019), 155. , que se veste parte do fazer artístico de Tiago Loureiro (n. 1995). Mestre em Práticas Artísticas e Contemporâneas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Loureiro constrói no território expositivo da Bienal uma instalação, que é simultaneamente um espaço performativo. Uma estrutura triangular recoberta de camilhas vermelhas, enormes e pesadas toalhas circulares, da qual ressoam ideias de escultura, mas sobretudo de múltiplas possibilidades de forma e movimento, por isso, necessariamente, de teatralidade. Recorrendo a objetos e figurinos inspirados no seu quotidiano, o artista cria personagens que se movem num universo místico, ritual e, por maioria de razão, onírico. No decurso da Bienal, as possibilidades dos corpos em movimento enquanto transformadores do espaço são exploradas pelo artista em momentos performáticos que apelam à participação da comunidade.

Texto de Carla Santos Carvalho

Miguel Ângelo Marques

Se é verdade que é recorrente um artista ir construindo o seu arquivo pessoal imagético – veja-se como ainda recentemente foram descobertos dois cadernos de desenhos de viagens, de Eugène Delacroix, que desvelam a influência desses esboços e anotações no processo de trabalho do pintor oitocentista francês11. Eugène Delacroix, Journey to the Maghreb and Andalusia, 1832: The travel notebooks and other writings, trad. Michèle Hannoosh, (Pennsylvania, Penn State University Press, 2019). – é também certo que a importância desse arquivo se manifesta de modo diferenciado nas práticas artísticas. No caso de Miguel Ângelo Marques (n. 1994), artista cujo corpus de trabalho assenta na pesquisa de relações entre imagem e signo, esse arquivo, no caso constituído por um vasto reportório imagético pessoal e coletivo, intimamente ligado à noção de memória, assume particular relevância. É a partir dele que constrói as suas narrativas visuais, fundamentalmente através da pintura, mas também com recurso a outros meios como sejam o vídeo, a gravura ou a escultura. É esse, aliás, o caso da sua participação na Bienal. Partindo de uma investigação histórico-sociológica do território maiato – os característicos bordados, as gravuras medievais em pedra ou as icónicas gravuras neolíticas/calcolíticas de Ardegães, entre outros – expande o seu acervo de imagens e a partir dele produz novas pinturas e os baixos-relevos que se apresentam nesta mostra, a que se juntam trabalhos anteriores. Uma menção ao dispositivo expositivo escolhido para exibir os trabalhos de Marques: grandes painéis de dupla face, em que as obras se dispõem em conjuntos, sugerindo leituras individuais e, simultaneamente, coletivas e que, do ponto de vista formal, nos trazem reminiscências do Bilderatlas mnemosyne (1924-29) de Aby Warburg. Tendo em mente o conceito de partilha e das suas possibilidades enquanto instrumento de transformação, denominador comum de todo este certame, Miguel Ângelo Marques orienta uma oficina de desenho destinada a crianças do 1º ciclo.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Movimentos Bruxos

Desde o início dos tempos que a física e a metafísica problematizam o conceito de movimento. Mesmo empiricamente sabemos que movimento é sinónimo de transformação, que movimento é sinónimo de existência. Com desenhos, pinturas, esculturas, objetos mecânicos e falantes, sons e cheiros, sombra e luz, o coletivo artístico Movimentos Bruxos constrói instalações imersivas e cinéticas ou, melhor dizendo, constrói cenários cuja ativação só se torna possível na deriva do espetador. Estas paisagens cinéticas surrealizantes, onde se cruzam realidade e fantasia, onde a trivialidade do objeto quotidiano se expande e se transfigura e, finalmente, se faz arte, são obra do coletivo constituído por Carlos Lima (n. 1970), Dora Vieira (n. 1991) e João Alves (n. 1983) e que, nesta circunstância, conta também com a participação do artista transdisciplinar Ruca Bourbon, a.k.a. Doutor Urânio. Do trabalho coletivo destes artistas ressoa essa paródica “ciência das soluções imaginárias” inventada por Alfred Jarry11. Alfred Jarry, Gestes et opinions du docteur Faustroll, pataphysicien: roman néo-scientifique, (Paris, Eugène Fasquelle, 1911), 22., a Patafísica, que no pós-guerra inspiraria a criação do Colégio da Patafísica22. Criado em 1948, em Paris, o Colégio da Patafísica, tinha por missão perpetuar a “ciência” inventada no início do século XX por Jarry. Dele farão parte figuras como Jean Genet, Umberto Eco, Boris Vian, Joan Miró, Man Ray, Max Ernst, Marcel Duchamp ou Raymond Roussel. , instituição de cariz anti-académico, que reuniu inúmeras personalidades da literatura e das artes, muitas delas com ligações aos movimentos surrealistas. E se o propósito do Colégio era dedicar-se, na senda de Jarry, aos estudos eruditos sobre ciências inventadas e inúteis, também o coletivo Movimentos Bruxos parece mover-se nos territórios para além da física e da metafísica, também a sua práxis parece edificar-se nos territórios patafísicos, essa “ciência do particular” de que nos fala Jarry33. Alfred Jarry, Gestes et opinions du docteur Faustroll, pataphysicien: roman néo-scientifique, (Paris, Eugène Fasquelle, 1911), 21., que se propõe examinar as leis que regem a exceção, as leis que regem esse outro universo que não é este, mas que nesta circunstância é.  

Dora Vieira e Carlos Lima, juntamente com os também artistas e músicos David Machado e Tito Silva, formam o quarteto Moto Rotos, um projeto fundado no coração do coletivo Oficina Arara, em 2016. Os Moto Rotos apresentam-se em concerto a 23 de setembro, prometendo “momentos intensos de siderurgia, entre liberdade, ruído e energia, onde a música se funde com o ambiente industrial num hipnótico espetáculo de faíscas”.

Texto de Carla Santos Carvalho 

Mathias Gramoso com Ivy Lee Fiebig e Pedro Moraes

A preocupação com as questões ecológicas, com as alterações climáticas, atravessa a prática artística de Mathias Gramoso (n. 1990), materializando-se em intervenções e instalações no espaço público e em galerias, um pouco por toda a Europa. Há um outro traço transversal ao trabalho do artista franco-português, o facto de habitualmente se desenvolver em processos colaborativos. Assim acontece na Maia. A instalação I died once, I can die twice (2023) constitui-se como um corredor/túnel negro, de aproximadamente 15m quadrados, com duas entradas, cujo solo é recoberto por cinzas e areias provenientes de incêndios florestais recentemente ocorridos em Portugal. Uma antinómica versão An die Freude, a ode à alegria de Schiller, parte integrante da Nona de Beethoven, confronta sensorialmente o espetador, ao mesmo tempo que a luz difusa reforça a ideia de cenário pós-apocalíptico. As sonoridades perfeitas do compositor alemão entrelaçam-se com registos sonoros dos ventos Iónicos captados por Ivy Lee Fiebig (n. 1992) enquanto navegava no Mediterrâneo. A instalação sonora Lodos & Poyraz, os ventos a que a tradição popular, com raízes na mitologia clássica, também chama Ventos das bruxas (por provocarem alterações físicas e psíquicas nos seres humanos), insere-se numa prática que tem conduzido a artista alemã a territórios de pesquisa e construção de atmosferas psicológicas, microclimas reativos e espaços de experimentação em que se equacionam vida e sustentabilidade. Questões que de outra forma estão igualmente presentes no trabalho do artista paulistano, Pedro Moraes (n. 1990). A-B é uma instalação de 2m x 1m, que aspira o pó do presente, o pó invisível remanescente da ação humana e filtra-o, para o transformar em arte. Só que essa transmutação resultante do processo de filtragem das partículas do ar, só se torna possível pela passagem do tempo, é ela que reificará os pigmentos em “pintura”.  É nesta perceção de contrastes e paradoxos que acontece o trabalho de Pedro Moraes. Gramoso, Fiebig e Moraes vivem e trabalham em Berlim.

Texto de Carla Santos Carvalho

Filipa Valente

O projeto de Filipa Valente (n. 1999) Campos Magnéticos: Rede informal de espaços geridos por artistas no Porto, entre 1999 e 2022, propõe-se analisar criticamente “a problemática da relação entre a prática curatorial independente autogerida por artistas e o contexto expositivo institucional e respetiva legitimação simbólica”. A artista/investigadora e curadora identificou e mapeou os espaços geridos por artistas na cidade do Porto nas últimas décadas, ao mesmo tempo que foi registando o percurso dos artistas que por aí passaram e, por maioria de razão, observando a cidade enquanto ser vivo em permanente mutação. O resultado dessa investigação desdobra-se em múltiplas plataformas. Desde logo, num site “arquivo-vivo”, cujo propósito se enuncia a três níveis: identificar, documentar e divulgar. A participação de Filipa Valente nesta Bienal ocorre em duas dimensões: uma delas relacionada com a investigação Campos Magnéticos, primeiro em formato expositivo de representação gráfica da investigação, mas também em vídeo, email arte e uma publicação (no caso, o mapa resultante do projeto que permite ao espetador uma deriva pela cidade, fazendo o reconhecimento dos espaços mencionados); e, igualmente, na vertente residência artística, no âmbito da qual recorre a técnicas artesanais ancestrais como o ponto de Arraiolos, o bordado ou a tecelagem como forma de representação de espécies da fauna e flora lusitânica, para desenvolver um projeto que reflete sobre uma questão bem contemporânea, a problemática dos ecossistemas ameaçados, como consequência da ação humana. Como o curador José Maia gosta de afirmar, o trabalho de Filipa Valente presente nesta BACM “tal como a pista de dança [espaço central desta edição], é uma utopia realizável”. 

Texto de Carla Santos Carvalho