Hugo Adelino

Numa edição da Bienal em que a ideia de transformação e desmultiplicação do eu é de alguma forma transversal às práticas artísticas que nela se desvelam, não deixa de ser assinalável o facto do percurso profissional e, necessariamente, de vida de Hugo Adelino (n. 1985) ter experimentado uma mudança radical em 2016, quando optou por tornar-se fotógrafo freelancer em vez de seguir o caminho expectável após a licenciatura em optometria e ciências da visão. No fundo, é de uma visão que se fala quando se pensa no trabalho fotográfico que realiza, mas neste caso, de um olhar perspetivado sobre o mundo em que vive. E é desse olhar, em duas dimensões, que se faz a sua participação na Bienal. Primeiro na qualidade de fotógrafo oficial das exposições e das performances para o catálogo do certame, mas, igualmente, revelando-nos um olhar mais subjetivo, mais livre, se se quiser, materializado num conjunto de imagens fotográficas a propósito do universo da Bienal e que serão exibidas na rede municipal de mupis.

Texto de Carla Santos Carvalho

Júlia de Luca

O corpo caminhante de Júlia de Luca (n. 1990) inscreve-se na paisagem num registo do qual ressoa esse momento transformador em que a arte deixa de imitar a natureza para se envolver com a natureza, ou como sustenta Maderuelo, esse momento em que natureza passa a ser “sujeito, processo ou destino do ato artístico” e em que, concomitantemente, esse ato artístico não se constrói “como uma representação formal da natureza, mas com a consciência da perceção das relações entre o homem e o mundo natural”11. Javier Maderuelo, Actas arte y naturaleza del I Curso. (Huesca, Diputación de Huesca, 1995), 17.. A poiética de Luca, herdeira de uma longa linhagem de práticas artísticas como a land art ou a body art, afirma-se primeiro como performance na paisagem, recorrendo a vários meios, como a fotografia ou o vídeo, como forma de registar esses momentos performático-narrativos que são, ao mesmo tempo, percursos de pesquisa e descoberta de si mesma.

Em minha prática, observo como meu corpo responde a sentimentos e emoções. Proponho-me navegar em campos internos para trazer de alguma forma o que ainda era obscuro, muito subjetivo ou difícil de me relacionar.

Também assim aconteceu na Maia, onde a artista multidisciplinar brasileira esteve em residência. São os registos desses percursos performáticos no território maiato que se apresentam na Bienal: em junho na rede de mupis da cidade e, em permanência, na mostra de vídeo.

Texto de Carla Santos Carvalho

Teresa Bessa

Artista multidisciplinar e performer sediada no Porto, Teresa Bessa (n. 2000) recorre a meios como a pintura, o desenho, o vídeo ou a fotografia. A sua prática artística assenta, sobretudo, num questionamento contínuo da identidade, nas suas facetas existenciais, queer, feministas e sociopolíticas. O corpo e os seus contextos são, por isso, questões centrais no trabalho de Teresa Bessa. É daí que parte para a construção de narrativas ficcionais e metafóricas das quais ressoam ecos expressivos e surrealizantes.  

Simultaneamente, inicia em 2022, o projeto documental Morto. com inevitável correlação com a imagem de marca do município Porto. Trata-se de um ensaio fotográfico in progress, acerca dos processos de gentrificação, equacionando problemáticas como a dualidade centro-periferia ou as desigualdades socioeconómicas. É precisamente este projeto que Teresa Bessa traz à BACM23, desta feita investigando e percorrendo as terras da Maia e mapeando as suas idiossincrasias. O trabalho exibe-se no recinto principal da exposição e nas áreas exteriores, em 16 mupis do município, bem como numa publicação de artista.

Licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2020 funda, com Beatriz Vale, o coletivo artístico Super Bronca, com o propósito de desenvolver práticas performativas de raiz experimental precisamente questionando a identidade e os limites do corpo e a sua inserção no contexto sociopolítico. A dupla Super Bronca apresenta-se em concerto na Bienal, com a promessa de sonoridades de raiz experimental, de que ressoam claramente ecos do rock feminino.

Texto de Carla Santos Carvalho

Carlos Trancoso

O olhar perspetivado no trabalho de Carlos Trancoso (n.1989), é primordialmente um olhar fotográfico. É a partir dele que o artista multidisciplinar questiona as formas como o ser humano se relaciona com a tecnologia, criando imagens sem câmara, cruzando diversos meios com imagens geradas por computador.

Operando nas fronteiras entre o documental e a ficção, Trancoso questiona os padrões estabelecidos de criação imagética nas sociedades hodiernas. 

Na Bienal da Maia, o artista ultrapassa os limites da bidimensionalidade ao criar objetos tridimensionais, com recurso à impressão 3D. Refletindo sobre o conceito de documento digital, em duas vertentes, enquanto veículo de informação e simultaneamente como testemunho de comportamentos isolados num cenário virtual, a série Backup, que aqui se apresenta, usa a duplicação, a cópia, enquanto mecanismo de poder, transformando-a dessa forma em protocolo.  Os trabalhos de Trancoso iteram a ideia de que, na era digital, o “direito ao esquecimento” é uma aporia inultrapassável. Além da série Backup, apresentam-se no espaço expositivo do Fórum publicações realizadas pelo artista e podemos. Igualmente, observar alguns dos seus trabalhos na rede de mupis da cidade. In situ, propõe-se, num primeiro momento, fotografar artistas e outras pessoas envolvidas na Bienal, trabalhos que após a impressão, recorte e montagem adquirem uma natureza tridimensional. Esse efeito transformador, do “bi ao tri”, será igualmente experienciado pelo público num workshop.

Texto de Carla Santos Carvalho