O sangue, a bílis amarela, a bílis negra e a flegma: os quatro humores corporais constitutivos da teoria clássica dos temperamentos, do Corpus hippocratium, humores dos quais, acreditavam aos gregos, dependia o equilíbrio/desequilíbrio do humano, são aqui materializados nas esculturas de Sofia Leitão (n. 1977). Mas esses fluídos humanos, ao contrário de provocarem repulsa, apresentam-se antitéticos ao olhar do espetador como refulgentes e vívidos objetos preciosos, aos quais não será alheia a ideia de joia (palavra cuja origem remonta ao francês antigo joie, significando artefacto de valor, fonte de prazer). Recorrendo a materiais como as contas de acrílico e de vidro ou as lantejoulas, a artista opera essa transformação, conferindo a estes humores uma ressignificação, uma nova axiologia. De resto, esta ideia de transformação, de metamorfose, se se quiser, é inerente ao trabalho de Sofia Leitão, consubstanciada aqui, não só nas peças já referidas, mas em todas a que neste palco se apresentam, quer esse palco seja o chão, quer sejam os plintos onde repousam outras peças, como é o caso das caveiras, vanitas sinónimas da derradeira transformação. Processo que duplamente se reafirma na série Transmutação, um título que por si só é todo um enunciado da leitura que vimos propondo.
Texto de Carla Santos Carvalho