Caudal rítmico no leito opalino (2023), essa nave do futuro da qual ecoam tempos passados, é peça central, do conjunto de trabalhos que Mariana Barrote (n. 1986) apresenta na BACM. Doutoranda em Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, a artista desenvolve uma pesquisa que reflete sobre as políticas de representação do corpo a partir dos seus processos evolutivos e sistemas de classificação. O corpo e as suas transformações ancoradas em memórias despoletadas por gestos, gestos iterados no espaço e no tempo, o corpo no seu campo expandido. É dessa matéria que se faz essa nave-sarcófago opalina, encapsulando vestígios de um corpo só imaginado – uma máscara, uma braçadeira, um par de mãos entrelaçadas repousam no topo do artefacto. O tempo suspenso é interrompido por um conjunto de desenhos cravados a goiva em folha de silicone, observáveis nas faces laterais da obra, bem como nos já referidos vestígios. Sobre eles afirma a artista: “Como a nossa pele, onde se inscreve um tempo anterior ao da nossa forma, literalmente, a superfície da peça está inscrita, na sua maioria. As paredes têm relevos com desenhos de sequências de corpos e movimentos, muitos deles partiram da observação do arquivo digital que compilei. Todos remetem ao corpo, à sua replicação, desmultiplicação”. Se por um lado esta peça, bem como as colunas que a ladeiam, nos remetem para a ideia de sepulcro, de rito funerário, não é despiciendo o facto delas, simultaneamente, emanar a luz, sinónimo de vida. É neste fluxo entre o que foi/o que é/o que virá a ser que a obra acontece. Nesta exposição mostra-se também uma série de desenhos a tinta-da-china à qual está subjacente a mesma lógica de repetição e transformação que povoa Caudal…; igualmente se apresentam três vídeos, parte de uma série intitulada Tour de Main, expressão francesa que suscita uma duplicidade interpretativa que é uma recorrência do trabalho de Barrote.
Texto de Carla Santos Carvalho